FICINE no Fianb com Wally Fall e Malaury Eloi Paisley

Começou nesta terça-feira, 5 de novembro, mais uma edição do Fianb, o Festival Internacional do Audiovisual Negro e, mais uma vez, o FICINE é um dos parceiros do evento, ao lado agora do recém inaugurado IAMO, Instituto Audiovisual Mulheres de Odun, espaço formativo lançado este ano na cidade de Salvador. 

Será lá, no IAMO, que nesta quinta, dia 7, a partir das 16h30, acontecem dois eventos marcados pela mediação de Janaína Oliveira. O primeiro é mais uma edição do programa Políticas do Olhar, em que Janaína conversa com Wally Fall, realizador martinicano-senegalês que é um dos fundadores do coletivo Cinemawon, trabalhando para dar mais visibilidade aos filmes de África e das diásporas afrodescendentes do mundo e das Américas em particular, que muitas vezes passam despercebidos nos circuitos comerciais ou nos festivais. 

Em seguida, haverá a sessão do filme O homem-vertigem: contos de uma cidade (imagem do filme acima), da cineasta e artista visual Malaury Eloi Paisley, que nasceu e atua na ilha de Guadalupe. Malaury conversará com Janaína sobre o processo de criação dessa história que durou de 2017 a 2023.

O IAMO é localizado na comunidade quilombola do Coqueiro Grande, em Salvador, e tem como foco priorizar processos de formação, com residências artísticas, imersão de projetos audiovisuais, especialização em técnicas audiovisuais e difusão de filmes a partir de sua recém inaugurada sala de cinema no andar superior da instituição. 

Saiba mais sobre as pessoas participantes dessa roda de conversas:

Janaína Oliveira 

Janaína Oliveira é pesquisadora e curadora de cinema. Professora do Instituto Federal do Rio de Janeiro (IFRJ) e consultora da JustFilms – Fundação Ford. É doutora em História e foi Fulbright Visiting Scholar no Centro de Estudos Africanos na Universidade Howard nos EUA. Desde 2009, desenvolve pesquisas  e realiza curadorias em cinema trabalhando também como consultora, júri e conferencista em vários festivais de cinema e instituições no Brasil e no exterior. Atualmente, além de participar de outras iniciativas curatoriais, integra o Comitê de Seleção do BlackStar Film Festival da Filadélfia (EUA), do FESPACO – Festival Panafricano de Cinema e Terevisão de Ouagadougou em Burkina Faso, assim como o conselho consultivo do Doc’s Kingdom (Portugal) e do conselho curatorial do Criterion Channel (EUA) e está em estágio de pós-doutorado no Departamento de Cinema da NYU. Mais informações sobre seu trabalho podem ser encontradas em https://linktr.ee/jana_oliveiraa

Wally Fall

Wally Fall é um realizador martinicano-senegalês que cresceu na Martinica. Seus primeiros filmes confrontam as noções de identidade, história e pertença a partir de uma perspetiva caribenha. É um dos fundadores do coletivo Cinemawon em 2016, que trabalha para dar mais visibilidade aos filmes de África e das diásporas afrodescendentes do mundo e das Américas em particular, que muitas vezes passam despercebidos nos circuitos comerciais ou nos festivais. Vive em Guadalupe e divide o seu tempo entre os seus projetos cinematográficos e a curadoria de filmes no Cinemawon. Dancing the Stumble (Mantjé tonbé sé viv) é o seu quarto filme.

Malaury Eloi Paisley

Cineasta e artista visual, Malaury Eloi Paisley trabalha a partir da sua ilha natal, Guadalupe, um território francês no Caribe. Estudou história da arte e museus em Paris e Montreal antes de frequentar os Ateliers Varan em Guadalupe, em 2016. Ali realizou seu primeiro curta-metragem, Chanzy Blues. Participou também de um workshop internacional na EICTV (Escuela Internacional de Cine y de Television), em Cuba, sobre a estética do documentário com o cineasta Marcos Pimentel. Foi um período decisivo, que consolidou a sua aposta no documentário e a fotografia como meios poderosos para explorar a experiência humana e o contexto sócio-político de Guadalupe. Em seguida, embarcou num projeto a longo prazo que explora a cidade de Pointe-à-Pitre, com O Homem-Vertigem: Contos de uma cidade, entre 2017 e 2023. 

Camille Billops e a desestabilização das imagens

Vinícius Dórea

Pela primeira vez em Belo Horizonte será exibida no Cine Santa Tereza a filmografia completa da cineasta, artista e arquivista norte-americana Camille Billops. A mostra Retrospectiva Camille Billops, que acontece entre os dias 15 e 20 de Outubro, com curadoria de Carla Italiano e Janaína Oliveira e contará com os filmes:  Suzanne, Suzanne (1982), Mulheres mais velhas e o amor (1987), Encontrando Christa (1991) — premiado no Festival de Sundance —, A boutique KKK não é apenas de caipiras (1994), Pegue suas malas (1998) e Um colar de pérolas (2002), além de outros sete filmes de outras autorias, épocas e países, que dialogam com a obra de Billops. 

“O trabalho artístico de Camille Billops em todas as áreas, e especialmente no cinema, funciona com uma proposta de desestabilização”, diz a pesquisadora e curadora Carla Italiano. Encontrando Christa (1991), um dos seus filmes mais conhecidos, retrata a decisão de Billops de dar a sua filha de 4 anos para adoção quando percebeu que não era uma boa mãe. Em entrevista, Camille já disse que muitas mulheres que assistiram ao filme a procuraram para falar de filhos que elas também não conseguiram criar ou para confessar que também não queriam ter sido mães. “O aspecto principal do trabalho da Billops é a provocação de tocar nos assuntos que não se abordava e levar os debates e presenças em lugares que inicialmente não estaria colocado”, continua Carla. 

Algo fundamental no gesto curatorial da mostra são justamente os diálogos pensados entre essa obra e o trabalho de outras realizadoras negras. “A gente quer constelar o trabalho de Billops e do James Hatch com algumas cineastas importantes, desde as mais veteranas como a Madeline Anderson, a Fronza Woods e a Cauleen Smith, como com gerações mais novas, a exemplo da Chloe Abrahams, que acabou de fazer seu primeiro longa-metragem, e com o trabalho da Ana Pi, Layla Braz e Meibe Rodrigues”, explica Janaína Oliveira. Ainda segundo ela, “os entrecruzamentos se dão por esse agenciamento de memórias negras, da família, da reelaboração de traumas e lacunas, da ausência de registros e ao mesmo tempo da pulsão de registrar. Os diálogos são movidos por esses interesses de cruzar temas com gerações distintas que elaboram sobre eles.”

Falecida em 2019, Billops foi um dos grandes nomes das artes e ativismos negros a partir da década de 1960 nos Estados Unidos, contando com mais de quatro décadas de carreira em diferentes suportes. O seu trabalho surge em um contexto de luta pelos direitos civis e da ascensão do movimento de artistas negro. Ao lado de James V. Hatch, seu companheiro de vida e de criação, Camille fundou a Hatch-Billops Collection, um vasto acervo dedicado à preservação da cultura negra, que reúne milhares de arquivos, histórias orais, documentos e fotografias, sendo hoje um dos mais importantes dos Estados Unidos. Esse exercício de criação de futuros através da manipulação de arquivos atravessa toda sua obra, sempre explorando uma junção entre o pessoal e o político. Ou ainda, nas palavras da própria artista: “A coisa mais revolucionária que você pode fazer é um livro sobre a sua vida…coloque seus amigos, todo mundo que você amou e faz muitos desses até que um dia eles vão te encontrar e saber que vocês estavam todos juntos aqui.”

A mostra será totalmente gratuita e trará a filmografia de Billops em cópias restauradas em 4K, lançadas em 2023 nos Estados Unidos. A programação inclui, além de exibições com medidas de acessibilidade, um livreto virtual com textos inéditos, e três mesas de debate com pesquisadoras e realizadoras convidadas, que trarão reflexões sobre a atualidade das obras e sua conexão com questões pertinentes às artes negras, estudos de cinema, feministas e  autobiográficos.

Mais informações e toda a programação pode ser encontrada no Instagram da Mostra.

4ª Semana de Cinema Negro de BH: desejos, conquistas, pulsões e desafios

Quarta edição. A Semana de Cinema Negro de Belo Horizonte começa nesta sexta-feira, 13 de setembro, sua quarta edição. Na métrica dos festivais de cinema do país, parece pouco. Mas o tempo de um festival como a Semana de Cinema Negro de Belo Horizonte precisa ter outros referenciais de medida, outras réguas, certamente menos lineares e mais curvas. Primeiro, existe a medida de todas as conversas sobre o tempo em que sequer se discutia a existência de festivais que pensam cinematografias negras brasileiras, africanas e diaspóricas. Depois, existe o tempo implícito nos próprios filmes e conversas que circulam dentro dessa quarta edição e de tantas outras mostras e festivais que se dedicam a tratar desse universo, são tempos espiralares que se animam e se reanimam nos encontros entre quem veio antes e quem está chegando agora. Mas, sobretudo, existe um tempo difícil para qualquer festival de cinema negro e todos os espaços que se dedicam a apresentar essas cinematografias: o tempo da continuidade. E dos desafios e desejos que surgem com ele.

“Acho que continuidade é a palavra sobre a qual venho pensando. Essa edição vem com o desafio de dar continuidade a um trabalho maior, vem na possibilidade de pensar todas essas edições como um conjunto de obras cinematográficas, mas não só isso, como um conjunto de quem a gente traz, de como são compartilhadas as vivências dos filmes e da vida”, afirma Layla Braz, diretora artística e coordenadora geral desse festival que, apesar da aparente pouca idade, se revela maduro em seu processo curatorial de articular pessoas, filmes e o mundo em que elas estão implicadas. “Todas as pessoas que estão trabalhando na mostra estão porque acreditam no projeto e porque acreditam na continuidade dele, mas a gente não consegue fazer só com amor, é preciso fazer com dinheiro, é fundamental a gente pensar nos editais públicos e como eles podem, ou não, ajudar isso a acontecer”, conclui ela.

Este ano, o festival homenageará Lilian Solá Santiago, mãe de Dandara, documentarista, roteirista, pesquisadora e professora-cineasta. Na Sessão Homenagem Maria José Novais Oliveira, que já prestou tributo em edições passadas à própria Maria José e a atriz Rejane Faria, Lilian terá seu trabalho revisto a partir dos filmes “Casa da Memória Negra de Salto” (2021), filme que compõe o projeto experimental de documentário de ocupação, que integra a tese de doutorado da cineasta;  Batuque de Graxa (2012), curta que se aproxima da história do compositor Toniquinho Batuqueiro, nascido em Piracicaba, interior de São Paulo; e o documentário Eu Tenho a Palavra (2011) que empreende uma viagem linguística em busca das origens africanas da cultura brasileira. Autora de vários documentários premiados, Lilian trabalha na encruzilhada da história com o cinema e se aproxima das memórias negras para criar suas imagens com uma escuta sensível e perspicaz. 

A programação da Semana (CONFIRA AQUI DIA A DIA), que nesta quarta edição traz a arte de Ana Paula Sirino em sua identidade visual, é extensa, intensa e diversa. Mas vamos elencar aqui alguns destaques que, para nós do FICINE, são da maior importância:

Políticas do Olhar

Começando com uma das atividades formativas que está diretamente relacionada às atividades do FICINE. O Políticas do Olhar – Diálogos sobre Curadoria e Descolonização é uma série de conversas ao vivo com curadores de cinema da África e das diásporas, criada por Janaína Oliveira em 2019. Este ano, o Políticas conversa com Jonathan Ali, programador de cinema, curador e escritor. Ali começou a sua carreira no Festival de Cinema de Trinidad e Tobago (2006-2015) onde, entre outras iniciativas inovadoras, foi curador da primeira retrospectiva caribenha da obra de John Akomfrah e do Black Audio Film Collective. Importante frisar que a ideia por trás do Políticas do Olhar surge de um interesse em curadorias e nos debates que estão sendo feitos no Brasil e no mundo. Sobre isso Janaína diz:  “as curadorias, para além das dimensões artísticas e criativas, são também lugares de exercício de poder, impactando diretamente nas trajetórias de filmes, na formação das plateias e no universo da crítica cinematográfica. Historicamente, no entanto, esses lugares foram ocupados predominantemente por pessoas não-racializadas e, em grande parte, homens brancos cisgêneros membros de elites culturais e econômicas, seja no norte ou no sul global. A ausência de diversidades, sejam de raça, gênero ou mesmo territorial, se reflete nas programações que vemos em grande parte dos festivais e mostras de cinema. O Políticas busca destacar iniciativas que apontem para uma cultura fílmica diversa e não-hegemônica que emergem a partir do momento que outras presenças ocupam o lugar de curadoria.”

Mostras com curadoria de Janaína Oliveira

Além do Políticas, a Semana de Cinema Negro de BH renova sua parceria com o FICINE nessa edição com a realização de cinco mostras organizadas por Janaína Oliveira, idealizadora e membra do FICINE. Entre elas, estão duas mostras dedicadas ao cinema caribenho: a primeira, Arquipélago de Cinemas: filmes contemporâneos do Caribe será composta por dois filmes do diretor haitiano Pierre Jean Michel, Twice In The Oblivion (Duas Vezes Esquecido) e Toro la Cou e um longa metragem, Ramona, da diretora dominicana Victoria Linares Villegas. A segunda se chama Revolucionária antes de tudo: o cinema de Sara Gómez, com foco na primeira realizadora cubana e primeira diretora negra da América Latina, Sara Gómez, a partir da exibição dos curtas Iré a Santiago (1964), Guabanacoa: Crónica de mi familia (1966) e Una isla para Miguel (1968), além do seu longa De Cierta Manera (1977). 

Janaína faz ainda a curadoria das mostras As Muitas Áfricas: um olhar sobre as produções contemporâneas do continente, a Sessão Especial Pioneiros dos Cinemas Africanos: Timité Bassori e Paulin Vieyra e a Abrindo caminhos: obras precursoras dos cinemas negros no Brasil. Nessa última, além do filme Um é pouco, dois é bom (1970) de Odilon Lopes e Na boca do mundo (1976), de Antonio Pitanga, haverá exibição de As aventuras amorosas de um padeiro (1978), de Waldir Onofre, e, claro, Abolição (1988) único longa metragem dirigido por Zózimo Bulbul. 

Cine Escrituras Pretas:

Com curadoria de Anti Ribeiro, Fabio Rodrigues Filho e Yasmine Evaristo, a mostra apresenta obras contemporaneas de realizadores negros brasileiros. “Acreditamos que é nos entremeios que está o cerne do que seria uma Escritura Preta. Preto aqui como uma entidade que não permite espiar suas bordas; de primeira, não se sabe onde começa e onde acaba. É preciso tatear em meio a estes escritos fílmicos para pensar sua dimensão ‘preta’”, diz o texto da curadoria. A notícia importante aqui é que essa é a mostra que terá exibição online para todo o Brasil entre 13 e 20 de setembro, a partir da Ubuplay, plataforma de streaming dedicada aos filmes realizados por pessoas negras dos países afrodiaspóricos. As sessões foram organizadas nos seguintes grupos: “No Mundo dos Feitiços”, “Fragmentos de uma aurora para ilustrar meu coração”, “Bordar a Vida no bastidor”, “Paredes e Telhados”, “Aqui, além dos endereços” e “Terror Mandelão”.

Ações formativas

Um dos focos da Semana desde sua primeira edição é a promoção de ações formativas. Este ano, além da masterclass de Direção de Atores, ministrada pela atriz, roteirista e preparadora de elenco Georgina Castro, em que os participantes serão convidados a entrar em uma imersão prática dentro do processo de direção de atores e preparação de elenco, o festival promove a oficina Fragilidades: desenvolvimento de longa-metragem, com Paula Santos e Bruno Hilário, que vão apresentar conteúdos sobre a formatação e o desenvolvimento de projetos de longa-metragem, considerando contextos descentralizados de realização. As aulas perpassam por processos que começam nas etapas de roteirização (da ideia original ao primeiro tratamento do roteiro), passam pela pesquisa, papel da direção e conceitualização estética até a estruturação do projeto executivo e o papel do produtor no processo criativo e logístico da etapa de desenvolvimento. As inscrições tanto para a Masterclass quanto para a Oficina podem ser acessadas pelo Instagram da Semana

A 4ª Semana de Cinema Negro é produzida pela Quiabo Produções e Carapiá Filmes, realização SECULT, através da Lei Paulo Gustavo. A programação do festival é totalmente gratuita.

“O papel curatorial e da sala de aula não é encaixar o cinema negro em categorias que já existem, mas pensar nas que podem existir”

Vinícius Dórea

Começamos aqui uma série de entrevistas com as integrantes do Ficine, numa iniciativa que pretende, a partir do trabalho de todas elas, entender as frentes de pesquisa e práticas em suas carreiras, bem como as perspectivas éticas e estéticas implicadas nessas atividades. A primeira de nossas entrevistas é com a pesquisadora, professora e curadora Kênia Freitas. Nela, Kênia fala sobre sua formação, seu trabalho como curadora e crítica, cinema negro, afrofuturismo e indica uma série de festivais pra gente acompanhar.  

FICINE – Pra começar eu gostaria que você falasse um pouco sobre sua formação, no sentido também de entender como ao longo da sua vida profissional, o trabalho de pesquisa, crítica, curadoria e ensino foi se costurando.

Kênia Freitas – A minha formação de graduação é em jornalismo. Há alguns anos não havia tantas graduações em cinema de onde eu era, que é no Espírito Santo, na UFES. E havia dentro do curso de jornalismo muitos projetos de extensão e grupos de pesquisa que iam justamente para essa área da pesquisa de cinema. Então, uma parte importante desse processo formativo, mesmo na graduação, foi a participação em cineclube. Foi dentro do cineclube que comecei a me interessar por pesquisa em cinema, em crítica de cinema e a trabalhar na realização de pequenas mostras. Tudo isso foi caminhando para essa decisão de seguir estudando no campo, e aí fiz o mestrado e doutorado nessa área de cinema documentário e cinema de novas tecnologias e paralelamente fui aos poucos me aproximando da área da crítica, escrevendo textos e acompanhando festivais.

Primeiro entrei no Cineplayers por volta de 2010, e aí esse fazer crítico foi se tornando uma coisa muito complementar das pesquisas acadêmicas. Essas coisas não estavam exatamente no mesmo lugar, tinha uma outra lógica, tinha um outro lugar de participação, mas que acabavam sendo um jeito de estar próximo e de aprofundar um pouco os estudos de cinefilia e de escrita também. Logo depois vieram as experiências de trabalhar com mostras de cinema fazendo produção de cópias, trabalhando com acervo e entendendo como funcionam os direitos autorais. E depois veio o fazer curatorial.  

Fiz a minha primeira curadoria em 2015, que foi uma mostra de afrofuturismo para um edital de ocupação da Caixa, e isso foi se tornando também parte da minha pesquisa sobre cinema afrofuturista. Ela nasce mais ligada ao campo curatorial e aos poucos vai migrando para o campo da pesquisa acadêmica, depois eu vou pesquisar no pós-doc, escrever artigos, etc. Então acho que esses campos vão acontecendo paralelamente, mas também um pouco separados. Eles se encontram bastante nesse atravessamento feito pelos estudos de Cinema Negros, que é pensar esse lugar de estar fazendo curadorias, de escrever crítica e de fazer pesquisa acadêmica voltada para o campo de pesquisa de afrofuturismo, da afrofabulação e da fabulação crítica. No momento que eu entro como professora na Universidade Federal de Sergipe (UFS), que foi em 2023, isso tem continuação também com as pesquisas e pensando também em projetos dentro da universidade, de formação, que tenham esse perfil.

FICINE – Você como curadora e crítica sente que esses seus trabalhos se retroalimentam? 

Kênia – Acho que é importante pensar que eles têm funções de atuação diferentes. Eles se retroalimentam muito no lugar desse contato permanente com os filmes, de um certo entendimento do que está sendo feito, do que está sendo proposto. Uma coisa que os dois campos têm em comum é essa percepção, que não é só pontualmente para filmes ou para uma mostra de cinema, de tentar entender e de pensar o campo do cinema brasileiro de uma forma mais geral. Entendendo que tipo de produção está sendo feita e quais são os filmes que têm participado de festivais.Tentar olhar para certas tendências que se colocam a cada momento e como elas vão se transformando. Esse olhar é bastante importante para fazer curadoria, sobretudo dentro de uma lógica de festival com inscrição, mas que também é bem importante para a escrita crítica, em que se escreve quase sempre sobre filmes mas também sobre esse diálogo do que tem sido feito. Então pensar os filmes dentro de um olhar mais panorâmico é fundamental. 

Penso que na minha relação com curadoria em geral há uma relação de muito cuidado e zelo com os filmes, o que não quer dizer que a gente só exibe os filmes que gosta. A proposta curatorial em geral pensa muito em como colocar os filmes para serem exibidos da melhor forma possível, ou seja, como pensar essa programação, pensar nos públicos, pensar esse encontro filme-público. Mas também levando muito em consideração esse gesto de confiança de as pessoas aceitarem terem seus filmes exibidos, ou seja, esse lugar de ter um compromisso grande com os filmes e com quem faz os filmes.

A crítica pode ter muitas posturas, mas em determinados momentos eu acho que é importante que ela tenha uma postura um pouco mais afastada ou combativa. Que ela realmente se coloque no lado externo disso, para pensar os filmes nesse diálogo grande com quem assiste. Então esse cuidado e esse zelo não são a preocupação número um para se ter. Pode até ser uma das preocupações dependendo do que está se propondo, mas que há também um lugar muito direto para uma possibilidade de questionamento e confrontação que a crítica pode e deve ter em determinados casos. 

FICINE – Vamos falar de cinema negro agora e quero começar falando sobre a questão da autoria. O que você percebe como autoria negra no cinema e se você acha que ela precisa ser diferente do conceito ocidental de autoria.

Kênia – Acho aí que tem duas questões numa só. De uma forma mais geral, eu nem acho que no cinema negro a autoria deva ter uma definição diferente dos cinemas não negros. Uma questão que a gente precisa ampliar em relação à autoria é de realmente não pensar só no lugar da direção. O cinema é uma arte coletiva e ele tem diversos lugares de criação. Pensando mais classicamente nós temos as cabeças de equipe, as cabeças criativas, o roteirista, o diretor de fotografia, diretor de arte, enfim, todos esses lugares que estão juntos e que vão orquestrar um certo lugar de pensamento estético e reflexivo que os filmes têm e que tem a ver com esse processo de criação e de autoria.

Nesse contexto mais canônico da política dos autores da nouvelle vague, a direção assumiu um papel muito fechado. Então se de fato a gente quer pensar sobre outras perspectivas, não só nos cinemas não hegemônicos mas no cinema hegemônico também, e pensando nas dificuldades, nos arranjos, é importante pensar também nesses outros lugares. Porque, em geral, dentro de um certo lugar de uma cinefilia se olhava muito para o autor como esse gênio isolado, como se isso não estivesse sendo feito a partir de muitas partilhas, das quais os filmes em geral resultam. 

Por outro lado, quando a gente entra na discussão dos cinemas negros, estamos falando necessariamente também não só de uma discussão estética, mas sobretudo de uma discussão política. O que vai começar a moldar esse campo, historicamente, é também um lugar de uma reivindicação diante de uma desigualdade, diante de uma não presença, diante de uma presença muito pouco considerada. Por que a gente precisa falar de Cinemas Negros? Porque também se está dizendo que dentro dos cinemas hegemônicos as presenças negras na autoria, nos papéis de interpretação, na frente das câmeras, atrás das câmeras em outros lugares importantes como roteiro, direção de arte, direção de fotografia, etc, são presenças pouco consideradas, muitas vezes apagadas ou inexistentes.

Então, quando falamos de Cinemas Negros também entramos dentro de uma discussão de reivindicação de ocupação de lugar. E não só uma ocupação por representatividade, mas também uma possibilidade de que esses lugares sejam ocupados dentro de uma diversidade e uma amplitude do desejo de criação. Não é só ocupar para fazer um determinado discurso, para cumprir uma certa tabela temática, uma certa tabela de cotas, no sentido muito deturpado do termo. Como se fosse assim: “ah agora temos aqui dois filmes de cineastas negros, não precisamos ter mais”. Mas pensar em uma possibilidade que questione, que amplie e que pense como o racismo e a anti negritude, por serem componentes estruturais da sociedade, podem ser combatidos por essa ocupação do cinema. De forma que não só no lugar de conteúdo, mas no lugar de uma possibilidade de pessoas negras fazerem filmes e fazerem os filmes que quiserem. Por isso é necessário falar de cinema negro feito por pessoas negras, porque cinemas brancos de assuntos negros é o que historicamente compõe a cinematografia brasileira. Ou seja, o negro ser assunto, mas o negro não ser criador das suas próprias histórias. 

A discussão nesse lugar de reivindicação de autoria de cinemas negros diz respeito menos a uma discussão estética nesse caso e mais a uma discussão política. Diz respeito a como a gente vai olhar historicamente para os números e tentar entender quantas pessoas negras ocupam esses locais de autoria. A gente vai enxergar um processo de desigualdade e de diferença numérica muito grande. Então, de fato, enquanto a dimensão política continuar sendo uma dimensão fundamental, acho indiscutível essa amarração de que autores negros têm que estar envolvidos na produção de Cinema Negro. É perigoso quando a gente volta para lugares que o campo já estava começando a sair, no caso dos cinemas brancos de assunto negro.

FICINE- Falar em Cinema Negro é falar em pluraridade, em Cinemas Negros, no plural. Porém, há a tendência da institucionalidade em querer colocar o Cinema Negro dentro de caixinhas para poder dizer o que ele é ou que ele não é. Qual você acha que é o papel da curadoria para tentar quebrar essa lógica e, no mesmo embalo, qual o papel em sala de aula e das universidades de cinema de forma mais ampla diante do Cinema Negro Brasileiro?

Kênia – Uma coisa que é o papel da curadoria, mas que também é um papel da sala de aula, é o de recuperar e pensar nisso não a partir somente dos campos teóricos, das caixinhas, mas a partir dos filmes que existem. Porque a curadoria vai estar o tempo inteiro pensando uma proposição de exibição conceitual, mas que se faz a partir de filmes que foram feitos. E por que digo isso? Porque quando a gente vai para esse campo amplo de Cinemas Negros não devemos olhar pra o que a gente gostaria que os filmes fossem, mas pra o que os filmes são. Aí gente imediatamente encontra essa pluralidade, porque os filmes e os cineastas não estão pensando só em fazer filmes de Cinema Negro que se encaixem na classificação A ou B, que vão ter boa representação, que vão ter representação positiva, ou que vão ter temáticas específicas. Porque teremos um campo muito variado de produção. ]

O papel curatorial e o papel da sala de aula é tentar inverter esse processo de pensamento de se afastar dos filmes para criar caixinhas em que os filmes têm que se encaixar, para tentar de fato lidar com os filmes que existem, que vão se descobrindo e que vão se percebendo, que podem ser pensados dentro desse lugar dos cinemas negros. Porque aí é um percurso diferente. É o contrário. No lugar de colocá-los dentro de categorias que já existem, você lida com os filmes para pensar em categorias que podem existir. No livro Film Blackness, o Michael Gillespie fala muito dessa ideia que eu gosto que é pensar filmes pretos não como uma resposta mas como pergunta. E aí que a lógica muda um pouco. Bom, a partir desses filmes que foram dirigidos, produzidos, autorizados, fotografados por pessoas negras e que a gente considera que têm uma relação com o campo dos Cinemas Negros, que perguntas que a gente pode fazer? 

O processo com a sala de aula é um pouco parecido. É também esse exercício de tentar juntar o percurso teórico e histórico, que obviamente vai se compondo, que já existe e que ajuda a gente a entender um certo processo de acúmulo das discussões de Cinema Negro, mas sempre trazer muito de perto os filmes, porque os filmes sempre vão colocar outras perguntas. Os filmes sempre vão indicar caminhos e lugares que não necessariamente você vai conseguir encaixar nas caixinhas.

FICINE – Agora quero falar sobre afrofuturismo. Nos últimos anos, o afrofuturismo se tornou um nome presente na cultura pop, posso citar como exemplo filmes como Black is King da Beyoncé e o Pantera Negra (Ryan Coogler), dos estúdios Marvel. Na música o afrofuturismo também está presente no trabalho de artistas como Erykah Badu e Janelle Monáe. Porém o conceito muitas vezes é trabalhado de forma flutuante, sem muita definição e é lido mais como uma estética.  Como você enxerga essa utilização do afrofuturismo feita pelo mainstream

Kênia – Um lugar interessante é não pensar o afrofuturismo como um ponto final, só pra dizer se uma produção é ou não o afrofuturista. Talvez seja mais interessante pensar como é que esse movimento pode ser uma lente crítica para pensar uma determinada produção. Nesse caso, isso cabe também para as produções independentes, não hegemônicas. Se a gente pensar que as primeiras discussões do Afrofuturismo estão dentro do campo da música experimental, como na obra do Sun Ra, também no techno de Detroit, que foi mais mainstream, mas que também teve lugares específicos de proposição de criação.

Se você pensar num artista como o George Clinton do Parliament-Funkadelic que desde o começo vai ser bem importante e que também estava num lugar de produção muito mais conhecido. O que cabe dentro desse campo para a discussão desses filmes como Pantera Negra e o Black is King da Beyoncé é pensar como é que essa lente crítica afrofuturista pode ajudar a pensar questões sobre esses produtos. Porque acho que a gente sai de um lugar em que o afrofuturismo vira um rótulo de venda e volta para o lugar em que ele vira uma proposição de pensamento. E isso vai se ligar muito fortemente com as discussões dos Estudos Negros, da Imaginação Negra Radical, de campos de pensamento estético e teórico de pessoas negras que já estão se colocando há muito tempo. 

Essa captura dos gêneros pelo mainstream é uma coisa que vai acontecer. O capitalismo trabalha para transformar coisas que vêm de uma produção não hegemônica em produtos de massa que vendem em cima de uma facilitação, de uma simplificação do que esses conceitos querem dizer. Mas acho que o que cabe também dentro dessa discussão é uma não recusa disso, mas um entendimento de como é que a gente adensa a discussão. Então não é um problema existirem esses produtos. O problema é ficar na superficialidade dessa conversa. Não deixar essa captura também apagar uma construção de um pensamento que vem aí há 30 anos. 

FICINE – Gostaria de tensionar os conceitos de afrofuturismo e afropessimismo com você. Ambas essas correntes trabalham a partir da violência da ausência, porém elas diferem com relação às suas visões de futuro. Você acha válido colocar essas duas correntes de pensamento em atrito? Os futuros imaginados pelo afrofuturismo são mesmo palpáveis ou seriam os afropessimistas muito derrotistas? 

Kênia – Não acho que esses campos estão em locais opostos. Eles estão propondo coisas diferentes, o que não necessariamente significa que eles estão em campos de conflito, porque eles não estão falando sobre a mesma coisa. O afrofuturismo tem uma proposição especulativa de criação artística de tentar trabalhar com noções de temporalidade e em muitos momentos propor visões de futuros negros possíveis usando o campo da ficção especulativa como motor. Uma definição que gosto de pensar para o afrofuturismo é de que você junta de um lado autorias negras junto com o campo da ficção especulativa a partir de histórias que vão falar de experiências negras, que podem ser as mais variadas possíveis.

Essas imaginações muitas vezes vão propor lugares de futuro que podem ser tanto utópicas quanto distópicas. Então o afrofuturismo, ele tem em si muitas proposições de futuro que não são necessariamente melhores para a população negra. Embora tenha gente que define o afrofuturismo dessa forma, vários dos filmes que a gente coloca dentro desse campo do afrofuturismo são na verdade distopias. Uma grande parte dos filmes que eu estava tentando pensar nessa pesquisa de afrofuturismo se constitui em obras que, ao invés de estarem pensando em futuros melhores, imaginam futuros piores e em fins de mundo. 

Então, como é que esses filmes, que estão trabalhando num campo distópico,  dialogam? Eles dialogam muito com uma certa perspectiva afropessimista. E o afropessimismo não está necessariamente olhando para o futuro. É inclusive o contrário. Ele está tentando falar muito diretamente dos nossos presentes e dizendo que o passado não foi superado. Que é o processo de escravização das pessoas negras, que não é só um processo de trabalho forçado, mas sim de desumanização. Que é também um processo de morte social das pessoas em vida. Esse passado ainda continua a moldar um lugar de como a nossa sociedade se estrutura e de como é que se explica todo o racismo e a anti negritude das sociedades ocidentais. Essa desumanização negra, que é o motor organizador do processo de escravização, não acaba com a abolição das escravidões.

Na discussão dos afropessimistas ela permanece e vai justificar porque no Brasil, nos Estados Unidos e em outros países a gente tem esse processo tão grande de assassinato de pessoas negras pelas polícias, por que a gente tem esse encarceramento em massa da juventude negra, etc. Porque o que está cercando essa construção é ainda esse processo de desumanização. Então, o negro pode ser preso, pode ser assassinado pois não faz parte de um certo lugar de ser humano dentro da sociedade. Muitos desses filmes que partem do afrofuturismo, mas que são distopias, estão se colocando também nesse lugar afropessimista. 

Óbvio que isso vai se contrapor com algumas leituras do afrofuturismo que vão dizer que o afrofuturismo é imaginar futuros melhores para a população negra. Mas isso é muito pequeno dentro do que a gente tem de produção especulativa negra. Então para o afropessimismo é necessário que a gente parta do princípio da desumanização para que consigamos discutir algumas coisas sobre Sociologia, sobre História, sobre Filosofia, etc.

Por um lado, o afrofuturismo vai dialogar em alguns lugares com essas disciplinas, algumas vezes indo junto e pensando nesse especular sobre esse futuro dentro desse pacto de desumanização, e por outro lado às vezes nessa tentativa de propor outros caminhos. Então nós nos esbarramos em uma dificuldade muito grande, que é pensar quais produções de fato conseguem imaginar um futuro melhor dentro de uma lógica que não seja uma lógica desumanizada. Há lugares em que esses conceitos se tencionam, embora não ache que eles estejam em oposição. 

FICINE – Para finalizar, você gostaria de citar nomes de filmes ou o trabalho de diretores do cinema negro contemporâneo que mais tem chamado a sua atenção recentemente?

Kênia – Uma coisa que eu talvez eu me sinta mais confortável de citar é falar para as pessoas acompanharem as mostras de Cinemas Negros, como o Encontro de Cinema Negro Zózimo Bulbul (@centroafrocariocadecinema) no Rio de Janeiro; a Egbé (egbecinemanegro) aqui em Aracaju; a Semana De Cinema Negro (semana.cinemanegrobh), em BH; tem uma mostra no Mato Grosso (@quaritere); tem uma mostra em Curitiba, o Griot (@festivalgriot); pensando cinemas negros e indígenas tem o Infinitas (@infinitafestival), no Ceará, e Mostra Quilombo Cinema (@mirante_cineclube) em Alagoas. Enfim, tem muitas outras.

São nesses lugares que a gente encontra uma diversidade de filmes. Alguns nomes existem já há alguns anos, alguns até felizmente há décadas. E o que surge nessas mostras às vezes não vai para os festivais de cinema brasileiro maiores. Mas são produções que estão reinventando os campos de Cinemas Negros no Brasil. Fazendo isso de uma forma não centralizada, não estando dentro de proposições únicas, mas de maneiras muito variadas. Então, talvez eu fique mais confortável em citar alguns festivais, e dizer pra acompanharem esses trabalhos, que eu acho que nos ajudam muito a chegar em filmes de uma maneira muito ampla.

100 anos de James Baldwin: uma leitura de Meeting the man em seu olhar opositivo

Vinícius Dórea

Em 8 de dezembro de 1987, na suntuosa Catedral de São João, em Nova York, a escritora Toni Morrison, futura ganhadora do prêmio Nobel de Literatura, embargava a voz para se despedir do amigo: “Há coisas demais a pensar sobre você, e coisas demais a sentir. A dificuldade é que sua vida rejeita ser resumida, sempre rejeitou, e convida, no lugar, a ser contemplada.” Foi assim que ela tentou, já ciente da impossibilidade de conseguir, dizer adeus a James Baldwin.

Neste 2 de agosto, dia em que celebramos o centenário desse escritor, dramaturgo, poeta, pensador e tantas outras coisas impossíveis de serem “resumidas”, é importante não sintetizar Baldwin a suas obras, ao seu ativismo e às pautas negras que o cercavam, mas sim lembrar dele por ser um homem que se recusou a ser capturado pela transparência da opressão

Nascido no Harlem, bairro negro de Nova York, Baldwin realizou uma leitura crítica do território onde ele viveu por muito tempo e o disparate entre os Estados Unidos serem um país extremamente racista, tendo ao mesmo tempo uma história intrinsecamente ligada com à sua população negra. 

Em Meeting the Man: James Baldwin in Paris, filme de Terence Dixon feito em 1970, temos um vislumbre interessante desse intelectual que não permitiu ser limitado às fronteiras do pensamento branco. Enquanto Baldwin passeia às margens do Rio Sena, um locutor, provavelmente o diretor do filme, anuncia que estaria fazendo um documentário sobre a vida de Baldwin como um escritor e não como uma figura política. 

Logo nos primeiros minutos, vemos que as visões de mundo de entrevistado e entrevistador não se encontraram e temos durante todo o filme um embate dessas visões, poderíamos dizer até um embate entre produções do Olhar. Com uma conversa diante da Bastilha, símbolo da revolução francesa, a tensão aumenta e Baldwin provoca: “As pessoas vieram daquelas ruas, não faz muito tempo, para derrubar essa prisão. E o meu argumento é que a prisão ainda está aqui”. O diretor retruca dizendo que Baldwin não quer falar do seu trabalho e sim do que está sentindo e ele responde: “Não é sobre o que eu sinto, Terry. É sobre o que eu sei.” 

Quando ele falava sobre a sua decisão de deixar os EUA, sobre ainda se sentir em uma prisão e comparar a sua vida à Bastilha, Baldwin de certa forma estava também falando do seu trabalho como escritor. Dixon não se interessou por isso pois já tinha uma ideia esquemática do filme que tentou atingir a todo custo. Baldwin percebe essa roteirização sobre a sua vida e claramente não permite ser resumido ao que um homem branco acha que ele é. E é justamente nesse embate entre um diretor branco que olha para um intelectual negro sem compreende-lo que mora a força do filme. 

Quando questionado se escrevia para pessoas brancas, Baldwin responde que não acredita na existência de brancos ou negros, mas que mesmo assim ele entende o que é nascer negro nos EUA. Esse aparente conflito de ideias ilustra bem a não crença de Baldwin em um sistema de representatividade que tenha o poder de falar pelo outro. O seu segundo livro, O Quarto de Giovanni, um romance sobre dois homens brancos, fugia do que era esperado do autor. Nessa tentativa de enquadrá-lo em categorias performáticas do ativismo social, alguns críticos passaram a nomeá-lo como porta-voz da comunidade LGBT, no que ele retrucava: “Não escrevi um livro sobre homossexualiade. Isso é superficial, fortuito. Eu escrevi um livro sobre os labirintos do amor”.

O legado de Baldwin segue vivo mesmo após quase 40 anos da sua morte. Antes de morrer ele trabalhava em um manuscrito sobre os assassinatos dos seus amigos Medgar Evers, Martin Luther King Jr e Malcom X, que depois serviu de base para o roteiro do filme Eu não sou seu negro (2016) que entrelaça os escritos de Baldwin com a luta atual dos direitos civis no EUA. Esse título parece captar bem o pensamento de um intelectual que não aceitava ser reduzido a categorias homogeneizantes de pensamento, mas que desenhou em seus trabalhos, à procura de uma libertação, um olhar interseccional entre raça, sexualidade e religião. 

O que assistir: 

Meeting the Man: James Baldwin in Paris, de Terence Dixon (1970)
Eu não sou seu negro, de Raoul Peck (2017)

O que escutar: 

Playlist com os discos que encontraram na casa de James Baldwin

O que ler:

Mente vazia, oficina do Diabo: Ensaios sobre a política racial do cinema americano
O quarto de Giovanni
Notas de um filho nativo
Da próxima vez, o fogo
Terra estranha

Ary Rosa e Glenda Nicácio conversam com FICINE sobre a mostra “Cinema é Cachoeira”

Vinícius Dórea

Coletividade, economia criativa e território. Eis os três pilares do cinema feito pela dupla Ary Rosa e Glenda Nicácio. Não são palavras quaisquer. Elas têm o peso de uma história que precede e sucede o trabalho desses dois. Pois de 25 a 31 de julho, no IMS Paulista, a mostra “Cinema é Cachoeira – Os filmes de Ary Rosa e Glenda Nicácio” cria uma chance única para o público de São Paulo ver e rever a cinematografia contemporânea do Recôncavo Baiano pelo olhar desses dois cineastas e entender o que essas palavras produzem nas imagens. O evento acontece também em Salvador, Belo Horizonte, Rio de Janeiro e Poços de Caldas. 

Coprodução Produção Rosza Filmes e Elo Studios, a programação apresenta ao público um recorte da diversidade cultural, social, histórica e geográfica da região, com produções premiadas em diversos festivais e já consagradas pelo público e crítica especializada, todas codirigidas por Ary Rosa e Glenda Nicácio, parceiros há mais de uma década na direção de filmes e também curadores da mostra. São elas: Café com Canela (2017), Ilha (2018), Até o Fim (2020), Voltei! (2021) e Mugunzá (2022) – destaque para a apresentação dos ainda inéditos em circuitos comerciais Ilha, de 2018 e Mugunzá, de 2022. 

Ary e Glenda, em entrevista ao FICINE a seguir, falaram sobre a mostra, sobre as suas carreiras e os planos para o futuro:

FICINE – Quero começar falando sobre Cachoeira. O cinema de vocês lida com o trauma através de uma perspectiva coletiva, de entendimento da dor com a ajuda do outro. E vocês fazem isso utilizando um território específico, que é o recôncavo baiano. O que significa para vocês fazer arte utilizando esse território e vê-lo representado nas telas?  

Glenda Nicácio – Cachoeira é o lugar mais importante das nossas vidas. É o lugar que nos uniu e que deu início à nossa trajetória no cinema. A gente foi pra lá pra fazer o curso de cinema na UFRB, em 2010, e eu e o Ary somos da mesma turma e nossa equipe também foi da mesma turma. E isso diz muito sobre a nossa lógica de pensar o cinema de forma artesanal e íntima. Nós fazemos um cinema que é produzido no interior, com as condições que o interior nos dá, por isso nós pensamos um cinema que é feito na rua, que nasce na rua, que depende dela e da comunidade em volta dela. Aprender cinema em Cachoeira nos mostrou que o cinema além de industrial, também é feito em casa. E estamos sempre pensando em como filmar aqui, por isso eu digo que o “como” diz muito sobre as escolhas que fizemos nos últimos anos. Porque não é só “ah vamos filmar em Cachoeira”, e sim o “como vamos filmar em Cachoeira”, visto que temos uma série de impossibilidades por estar no interior da Bahia. Mas essas condições também nos diferenciam, porque esse lugar só existe aqui. 

Ary Rosa – Cachoeira é uma cidade viva. No Brasil nós temos essa concepção que cidades históricas são lugares que não se mexem, que a população fica apartada para o turismo passar, etc. E Cachoeira não é assim, Cachoeira é viva, o passado está ali e está em confronto com a gente o tempo inteiro, mas a cidade também não abre mão do seu presente e do seu futuro. Eu falo que Cachoeira é uma cidade do interior cosmopolita porque ela recebe e abraça gente do mundo inteiro, ela repele gente do mundo e vai fazendo seus próprios movimentos através de sua população e de sua história. 

FICINE Quero também perguntar sobre como vocês percebem a situaçao institucional do cinema negro brasileiro. Com a realização da mostra “Cinema é Cachoeira”, tendo a filmografia de vocês disposta lado a lado, e também com o fato de já estarem em pré-produção dos seus próximos longas, mostra que vocês continuam escolhendo o cinema. A pergunta é: de alguma forma o cinema tem escolhido vocês também?

Glenda – O cinema é sempre um jogo que nunca tá ganho. Você faz seu primeiro filme e aí diz: “nossa, entendi como é que funciona!” e aí você faz o segundo filme e aprende mais um tanto de coisas e desaprende outras. É sempre um lugar inusitado porque depende de muitas coisas  que são externas à nossa vontade, à nossa entrega, disponibilidade e organização. Mas pensando nas nossas histórias e relacionando nossos filmes com uma produção de cinema negro nacional contemporânea, enxergo cada vez mais libertador fazer cinema dentro dessa chave do cinema negro devido às políticas e os embates que têm se estabelecido nos últimos anos. Fazer cinema negro é poder ser plural. E nós pensamos nisso dentro das nossas histórias. Eu penso, por exemplo, na atriz Arlete Dias, que é negra, do bando de teatro Olodum e trabalhou com a gente em todos os nossos filmes. É muito prazeroso poder olhar pra Arlete e falar: “Qual personagem você vai fazer agora? Ah, agora você vai pra comédia, agora você vai para o drama, pra tragédia” e saber que esse corpo se reinventa e pode contar muitas histórias. Ele pode fazer escolhas de personagens que ela quiser, da forma como ela quiser, da vivência que o corpo dela abriga e isso é muito rico.

FICINE – Os filmes de vocês costumam ser produzidos na maioria das vezes com a mesma equipe e elenco e eles costumam ser mencionados como produtos da Rosza Filmes. Eu lembrei de uma frase da Leda Maria Martins que disse que nas artes antigas o mais importante é que a arte seja acima de tudo um bem coletivo. Por isso gostaria de saber como vocês enxergam a autoria no cinema de vocês. 

Ary – Nós trabalhamos com um tripé que sustenta o nosso ofício: a coletividade, a economia criativa e o território. Essas três ferramentas são muito importantes e uma não vive sem a outra. Assim como o território vibra muito no nosso trabalho, a gente também pensa isso de uma forma que envolva a cidade de uma maneira econômica e que a cidade entenda que é um ofício, um trabalho. A coletividade também é uma coisa básica, porque nós escolhemos trabalhar com editais, mas também escolhemos trabalhar de maneira independente, ou seja, com dinheiro próprio. E é nessa hora que a equipe é fundamental. Nós iremos gravar três filmes agora nos próximos meses e é muito bom já ter uma equipe que entende os processos criativos e já sabe para onde caminha esse cinema que criamos em conjunto. 

FICINE – Recentemente saiu uma notícia que Café com Canela (2017) seria adaptada para uma série para o Canal Brasil e eu gostaria de saber se vocês podem dar mais detalhes sobre a produção, o que muda em relação ao filme e quando irá estrear. 

Ary – É verdade! Está sendo por um edital da Ancine e ainda estamos na fase de liberação, mas já está sendo muito empolgante trazer os mesmos personagens do filme de volta e com a equipe sendo basicamente a mesma. Vai ser literalmente um reencontro com esses personagens alguns anos mais velhos, novas experiências, novas possibilidades. Quando a gente fez Café, começamos a pensar em como colocar aqueles personagens juntos e vimos que tínhamos muitas ligas de humor, dramas e possibilidades, foi muito interessante ver que a história continua pulsando com esses personagens que são tão vivos no nosso imaginário. 

Glenda – E pensar também que Café é nosso primeiro longa, então de alguma forma nós aprendemos a ser diretores com esse filme. Esse filme nos ensinou muitas das escolhas que faríamos na nossa trajetória. Então está sendo muito prazeroso voltar depois de mais de 10 anos. E voltamos com essa sensação de que aqueles personagens continuaram suas vidas depois que os créditos subiram. Se nós somos pessoas diferentes, a Violeta também está diferente, a Margarida também mudou. Está sendo bonito reencontrar esses personagens e pensar: “caramba Violeta, que saudades que eu tava de você”. 

FICINE – Vocês consideram essa Mostra como uma espécie de balanço sobre a carreira de vocês? 

Glenda – Com certeza. A mostra é uma possibilidade de celebrar a trajetória da nossa produtora Rosza Filmes e dos nossos processos de produção. Acreditamos que esses filmes dialogam com os atravessamentos que ocorreram no país durante os períodos de produção, e que afetaram diretamente as nossas histórias.

FICINE – Para finalizar, quero saber quais filmes nacionais vocês destacariam como fundamentais na formação de vocês? E quais filmes contemporâneos vocês consideram ser essenciais de serem vistos/falados mas que talvez ainda não saltaram aos olhos do público? 

Glenda – Tenho que dar essa lista agora? Olha vou ser bem sincera com você eu sou péssima de nomes. Tem que ser agora? Olha depois a gente conversa no zap não sei (risos)

Ary– Eu posso mencionar agora algumas produções contemporâneas que em alguns pontos dialogam com a gente que são: as produções da Filme de Plástico, que tem feito uma cinematografia bem potente, também o Adirley em Brasília, que tem me chamado muita atenção. Tem também muitas produções acontecendo agora em Cachoeira e é muito legal se retroalimentar com essas visões de Cachoeira que não são mais as nossas e que vêm através de curtas, séries e documentários feitos pelos alunos da UFRB. 

A lista de cidades, datas e de cinemas participantes será continuamente atualizada nesse site. E o valor do ingresso para os filmes é o já cobrado por cada exibidor, nas cidades participantes. Viabilizada pela Lei Paulo Gustavo, a mostra “Cinema É Cachoeira – Os filmes de Ary Rosa e Glenda Nicácio” é coprodução Rosza Filmes e Elo Studios, com apoio do Governo do Estado da Bahia e do Governo Federal.

Quatro personagens da Améfrica Ladina no cinema

Vinícius Dórea

Ao estudar as formas que a colonialidade construiu as representações de mulheres, negros e indígenas no imaginário social da América Latina, a pensadora venezuela branca Beatriz González Stephan cita os dispositivos de poder que firmaram o homem branco, pai de família, casado, heterossexual, proprietário e letrado como o modelo de cidadão a ser seguido. Essa categorização “inventa o outro” no sentido que cria também um lugar subalterno que inclui todos os que não se encaixam nesse perfil. Lélia González, grande intelectual negra brasileira, nos seus estudos sobre a mulher negra latino-americana, acrescenta que essa hierarquização patriarcal-racista suprime a humanidade das mulheres porque nega não só o direito delas de serem sujeitas do próprio discurso, mas também de suas próprias histórias. No entanto, a disputa de imagens e de narrativas contra esses jogos de poder continua sendo latente, por isso neste Dia Internacional da Mulher Negra Latino-americana e Caribenha escolhemos dar destaque a quatro personagens marcantes do cinema Améfricano Ladino e caribenho. Após cada personagem, escolhemos um parágrafo de uma obra de Lélia Gonzalez para também celebrarmos a importância do seu trabalho e existência neste dia: 

Yolanda, por Yolanda Cuéllar – De cierta manera, de Sara Gomez (Cuba): 

Existem algumas mulheres em Yolanda, a personagem fictícia do primeiro e único longa-metragem da diretora cubana Sara Gomez. Vivem em sua pele várias mulheres que participaram da revolução cubana, como também está presente uma ideia de alguém que tenta questionar os padrões machistas de dentro dessa revolução, assim como, e talvez mais importante, está ali também na personagem a representação da própria diretora do filme, uma mulher revolucionária e uma das pioneiras diretoras negras na Améfrica Ladina que, tantas e tantas vezes, se viu tendo que responder, dentro e fora dos seus filmes, a um sistema patriarcal estrutural contra o qual se precisava combater dentro de um outro combate. Yolanda, a professora que tenta dialogar com seu par romântico, Mario, sobre esse sistema, é entrecortada por imagens documentais de mulheres reais em suas lutas cotidianas numa Cuba ainda muito conservadora.

“A chamada América Latina, que, na verdade, é muito mais ameríndia e amefricana do que outra coisa, apresenta-se como o melhor exemplo de racismo por denegação. Sobretudo nos países de colonização luso-espanhola, onde as pouquíssimas exceções (como a Nicarágua e o seu Estatuto de Autonomia de las Regiones de la Costa Atlántica ) confirmam a regra. Por isso mesmo, creio ser importante voltar o nosso olhar para a formação histórica dos países ibéricos. Trata-se de uma reflexão que nos permite compreender como esse tipo específico de racismo pode se desenvolver para se constituir numa forma mais eficaz de alienação dos discriminados do que a anterior.” Lélia González

Jerusa, por Léa Garcia – Um Dia com Jerusa, de Viviane Ferreira (Brasil):

Jerusa, uma senhora de 77 anos, está para receber os filhos e netos em sua casa quando conhece Silvia, pesquisadora de marketing interessada em fazer uma pesquisa sobre sabão em pó. Logo quando conhecemos Jerusa somos cativados pela performance forte que Léa Garcia entrega ao realizar atividades simples do dia-a-dia e também somos convidados a entrar em sua casa. Quando precisa responder o questionário socioeconômico que Silvia lhe faz, Jerusa prefere contar as histórias da sua vida, das pessoas que a atravessaram, do nome que carrega e dos afetos que fez na vida. A narrativa é construída na troca feita por essas personagens que não cumprem a frieza e impessoalidade dos papéis de “consumidora” e “trabalhadora”. São mulheres, são negras e sentem que possuem histórias compartilhadas

“Quando se leem as declarações de um d. Avelar Brandão, arcebispo da Bahia, dizendo que a africanização da cultura brasileira é um modo de regressão, dá pra desconfiar. Porque, afinal de contas, o que tá feito tá feito. E o bispo dançou aí. Acordou tarde porque o Brasil já está e é africanizado. M. D. Magno tem um texto que impressionou a gente exatamente porque ele discute isso. Duvida da latinidade brasileira afirmando que esse barato chamado Brasil nada mais é do que uma América Africana, ou seja, uma Améfrica Ladina. Pra quem saca de crioulo, o texto aponta pra uma mina de ouro que a boçalidade europeizante faz tudo pra esconder, pra tirar de cena. E justamente por isso tamos aí, usando de jogo de cintura, pra tentar se entender. Embora falando, a gente, como todo mundo, tá numa de escritura. Por isso a gente vai tentar apontar praquele que tascou sua assinatura, sua marca, seu selo (aparentemente sem sê-lo), seu jamegão, seu sobrenome como pai dessa “adolescente” neurótica que a gente conhece como cultura brasileira.” Lélia González 

A mulher-memória, por Anyès Noel – Arando as estrelas, de Wally Fall e Anyès Noël (Guadalupe): 

Enquanto vai ao encontro do seu pai, uma mulher se depara com um país vazio e aos poucos as memórias de uma vida passada retornam. O que é real? O que é fantasia? O que dói na memória, dói na carne? Em função da colonização ter nos empurrado silêncios através dos seus assaltos e violações, um estranho olhar ao mundo é evocado através dessa mulher. Ela duvida do que vê e se recusa a não mais expressar sua estranheza. O que ela enxerga agora é toda a violência de uma nação nos olhos do seu pai e pede que ele não mais se cale. A mulher-memória habita Guadalupe, um conjunto de ilhas no sul do mar do Caribe com formato parecido com uma borboleta, porém ela também poderia ser brasileira visto que esse conto colonial também nos atravessa (e algumas imagens do filme fazem referência direta ao nosso território). Ao cruzar a história da sua vida com a história da ilha, o olhar dessa mulher nos mostra imagens que desafiam a realidade e, portanto, criam futuros. 

“Os termos ‘afro-american’ (afro-americano) e ‘african-american’ (africanoamericano) nos remetem a uma primeira reflexão: a de que só existiriam negros nos Estados Unidos, e não em todo o continente. E a uma outra, que aponta para a reprodução inconsciente da posição imperialista dos Estados Unidos, que afirmam ser ‘A AMÉRICA’. Afinal, o que dizer dos outros países da AMÉRICA do Sul, Central, Insular e do Norte? Por que considerar o Caribe como algo separado, se foi ali, justamente, que se iniciou a história dessa AMÉRICA? É interessante observar alguém que sai do Brasil, por exemplo, dizer que está indo para ‘a América’. É que todos nós, de qualquer região do continente, efetuamos a mesma reprodução, perpetuamos o imperialismo dos Estados Unidos, chamando seus habitantes de ‘americanos’. E nós, o que somos, asiáticos?” Lélia González

A “Voz”, por Grace Passô – Vaga Carne, de Grace Passô e Ricardo Alves Jr. (Brasil):

Uma voz passeia no escuro. Uma energia sem matéria descreve a sua existência descorporificada e afirma poder habitar qualquer coisa que existe. Escolhe, no entanto, o corpo preto de uma mulher e descreve as sensações ao invadir-morar essa carne. Com uma estranheza em existir, “a Voz” investiga a linguagem, os buracos do corpo, os vazios; e se vê ora algoz, ora refém desse corpo preto. Quem corporifica essa voz é a grandiosa atriz Grace Passô, que em certo momento pede que a plateia alimente a voz com palavras para que ela possa devolvê-las. Amor. Política. Corpo. Esses vocábulos se entrelaçam e a voz descobre que invadiu uma carne alvo. O corpo da mulher negra é assim denunciado e vindicado. 

“Trata-se de um olhar novo e criativo no enfoque da formação histórico-cultural do Brasil que, por razões de ordem geográfica e, sobretudo, da ordem do inconsciente, não vem a ser o que geralmente se afirma: um país cujas formações do inconsciente são exclusivamente europeias, brancas. Ao contrário, ele é uma América Africana cuja latinidade, por inexistente, teve trocado o T pelo D para, aí sim, ter o seu nome assumido com todas as letras: Améfrica Ladina (não é por acaso que a neurose cultural brasileira tem no racismo o seu sintoma por excelência). Nesse contexto, todos os brasileiros (e não apenas os “pretos” e os “pardos” do IBGE) são ladino-amefricanos. Para um bom entendimento das artimanhas do racismo acima caracterizado, vale a pena recordar a categoria freudiana de denegação (Verneinung): “Processo pelo qual o indivíduo, embora formulando um de seus desejos, pensamentos ou sentimentos, até aí recalcado, continua a defender-se dele, negando que lhe pertença”. Enquanto denegação de nossa ladino-amefricanidade, o racismo “à brasileira” se volta justamente contra aqueles que são o testemunho vivo da mesma (os negros), ao mesmo tempo que diz não o fazer (“democracia racial” brasileira).” Lélia González 

2º edição da Aquilomba – Seminário de Cinema Negra do Nordeste com inscrições abertas

Vinícius Dórea

Até o próximo dia 2 de agosto, acontece a segunda edição do Aquilomba – Seminário de Cinema Negra do Nordeste. Promovido pela Tarrafa Produtora e Distribuidora em parceria com a Pajeú Filmes, o evento será realizado de forma gratuita e online, reunindo mulheres profissionais do audiovisual do Nordeste e de outras regiões do Brasil. O seminário visa proporcionar um espaço de compartilhamento de experiências sobre a cadeia produtiva do audiovisual, além de explorar temas relevantes para a construção de novos olhares na área.

A Aquilomba já parte de uma provocação por pensar o cinema negro no feminino, portanto, um cinema negra. Além disso, o seminário cria um espaço de interlocução entre as mulheres que estão atuando no nordeste, norte e centro-oeste, produzindo uma rede de contatos para que elas se conheçam e compartilhem suas vivências. Anna Andrade, idealizadora e coordenadora geral do seminário, enxerga o Aquilomba não só como um espaço de celebração, mas também como de divulgação do trabalho dessas mulheres:

“São temas tão importantes, mas que não estão sendo pautados, então queremos dar protagonismo a essas mulheres tanto internamente criando esse espaço seguro, como também divulgando os seus trabalhos fazendo com que o Aquilomba sirva como um grande mural. Por isso, estamos organizando um quadro geral com nome, contato e atividade de todas as mulheres que já passaram pelo seminário”.

As participantes terão acesso a diversos laboratórios e minicursos, como o Lab de elaboração de projetos com Bruna Tavares e William Tenório da Pajeú Filmes, Lab de distribuição de curtas-metragens com Anna Andrade da Tarrafa Produtora, o minicurso “Esta Terra é a Nossa Terra” com a Associação Filmes de Quintal, e a oficina Videoarte em Ação com Lia Letícia. As atividades são destinadas especialmente para mulheres negras, indígenas, quilombolas e LGBTQIAP+, porém o Aquilomba quer também abrir algumas exceções para homens, visto que é importante que eles estejam presentes nesse espaço criado e protagonizado por mulheres. 

O seminário terá carga horária total de 81 horas e todas as participantes receberão certificado. Para garantir a democratização e descentralização do acesso, 40% das vagas serão destinadas a mulheres residentes fora da RMR (Região Metropolitana do Recife), 30% a mulheres residentes na RMR, e 30% a mulheres de outras regiões do Brasil, com prioridade para as inscrições do Nordeste.

As inscrições vão até o dia 13 de julho e podem ser feitas por meio de um formulário digital disponível NESSE LINK

Zezé Motta, 80 anos: a Mulher do Amanhã

Vinícius Dórea

Em determinado momento do episódio Falas da Vida, da série Histórias (im)possíveis, exibida na Globo em 2023 e criada por Renata Martins, Jaqueline Souza e Grace Passô, a personagem de Andréa Beltrão, uma motorista de aplicativo, pergunta à sua misteriosa passageira qual o nome da rua do destino final da corrida. Com um sorriso de canto de boca, essa passageira responde: “Futuro. Bota só Futuro.” A atriz que interpreta a passageira é ninguém menos que Zezé Motta. No episódio da série dedicado a falar de corpos femininos e processos de amadurecimento, Zezé surge como a anunciação de outros mundos possíveis. O corpo que representa ele mesmo o Futuro, ou melhor, a Futuridade, um estado de ser no mundo. Em um curta-metragem recente do diretor Clari Ribeiro, chamado Se eu tô aqui é por mistério, Zezé surge novamente no fim da história como a bruxa Suprema (imagem acima), que encarna essa ideia de Futuro e de horizontes alternativos àquilo que se convenciona chamar de real. É assim que uma das maiores atrizes do nosso audiovisual chega aos 80 anos: como a Futuridade em si. 

Com mais de 50 anos de carreira, Zezé Motta viu e viveu vários Brasis. Mais do que isso, Zezé Motta foi e segue sendo vários Brasis. Em quase todos eles enfrentou um inimigo rasteiro e covarde: o racismo. No entanto, a cantora e atriz (cantriz, como gosta de ser chamada), não gosta e não deve ser associada e reduzida somente às mazelas que enfrentou. “Eu gostaria que já estivéssemos vivendo um momento em que eu não preciso mais falar sobre racismo, quero falar das minhas conquistas e alegrias”, disse Zezé em uma das várias entrevistas em que precisou responder a isso. 

O movimento de olhar para o passado é sempre mais intenso para os povos negros e originários, visto que desse olhar pode vir uma sensação de pertencimento ou de inadequação, o contato com a ancestralidade ou dessa formação de subjetividade pautada na falta, no não-saber. Falar do passado, portanto, precisa ser feito sem reprimir as dores, para que melhoremos o presente e possamos construir um futuro. Porém, na maioria das vezes em que Zezé foi entrevistada nos últimos anos as perguntas circularam em torno dos “nãos” que recebeu, do sofrimento na época da ditadura, do ódio que enfrentou quando interpretou um par romântico com um homem branco, das manchetes de jornais criticando sua aparência, etc. Mulher, negra e pobre. Deu pra sonhar Zezé?

Em Tudo que é apertado rasga, Fábio Rodrigues Filho faz um recorte poético sobre o tratamento que alguns atores negros receberam na história do cinema e da teledramaturgia brasileira, entre eles Zezé Motta. Pioneira em dizer não, Zezé recusou papeis de trabalhadora doméstica que demonstravam subserviência e não acrescentavam em nada à trama.

Quando questionada sobre a erotização da sua personagem Xica da Silva e se sentiu desconforto ao interpretá-la, Zezé categoricamente diz que não e não insiste no assunto, ela não ousa em reclamar do trabalho que a lançou para o mundo. Sobre os comentários racistas sobre a sua aparência, ela faz chacota: “Não entendo como poderiam me chamar de negra feia se eu estava tão linda nas fotos”. 

Sim, porque há sempre algo que rompe, algo que, como implica o título do filme de Fábio, “rasga” a imagem: no filme em questão, Zezé termina cantando “Senhora Liberdade”, samba de Wilson Moreira em parceria com Nei Lopes que foi escrito como hino da Anistia, nas Diretas Já. A canção, no entanto, ganha outro tom diante da montagem do filme. O grito de liberdade, assim, se torna maior que a própria Zezé e a passagem do tempo diante do pedido é massacrante pois nos lembra que precisamos e continuaremos precisando de vozes como a de Zezé Motta por muito tempo para vencermos as mazelas estruturais causadas pelo racismo. 

Em uma das entrevistas que assisti para escrever esse texto, o entrevistador questiona Zezé se ela acha que seria milionária se tivesse nascido nos Estados Unidos. Ela diz que sim e com muita certeza. Apesar da pergunta do entrevistador partir de um ponto de vista que valoriza a concentração monetária como indicativo de sucesso, a resposta de Zezé nos conta das dificuldades impostas por uma indústria majoritariamente branca e masculina. Quando atingiu o sucesso, Zezé disse que olhou para os lados e só havia no máximo 10 atores negros em atuação em todo o Brasil. Isso a levou a criar o Centro Brasileiro de Integração e Desenvolvimento do Artista Negro (Cidan), um catálogo, com fotos de todos os atores negros do Rio, São Paulo e Salvador. “Eu queria que os outros atores negros não encontrassem todos os obstáculos que eu encontrei e que foram tão difíceis de superar”, disse ela. 

Se abandonarmos a ideia colonial do tempo visto como uma reta que sempre aponta para a frente, linear e irreversível e pensarmos no tempo como uma encruzilhada com suas implicações e intersecções, Zezé Motta hoje vive no futuro construído por ela mesma, por Zózimo Bulbul, Grande Otelo, Ruth de Souza, Léa Garcia, Luiza Maranhão e tantos outros. A presença do passado é abraçada para construir um amanhã em que Zezé está e estará presente. Quando fala das suas conquistas, a musa inspiradora da canção “Tigresa” de Caetano Veloso gosta de falar da sua vaidade, do seu apartamento no Leme (que também já foi da Clarice Lispector), dos seus cinco casamentos e do seu passado como Testemunha de Jeová. Hoje, nos seus 80 anos, Zezé é ela mesma a própria fabulação de futuros. Não pensa em largar os palcos e faz planos em dirigir espetáculos. Ainda bem! Muito obrigado a Zezé Motta e seus gritos de liberdade. 

Filmografia de Zezé Motta:

Transplante de Mãe (1970)
Em Cada Coração um Punhal (1970)
Cleo e Daniel (1970)
Vai Trabalhar Vagabundo (1973)
Missa do Galo (1973)
A Banana Mecânica (1974)
A Rainha Diaba (1974)
Um Varão Entre As Mulheres (1974)
Xica da Silva (1976)
A Força de Xangô (1977)
Cordão De Ouro (1977)
Tenda dos Prazeres – Ouro Sangrento (1977)
O Bom Marido (1978)
Tudo Bem (1977)
Se Segura Malandro (1978) 
Águia na Cabeça (1984)
Para Viver um Grande Amor (1984)
Quilombo (1984)
Jubiabá (1986)
Anjos da Noite (1987)
Natal da Portela (1988)
Prisoner of Rio (1988)
Mestizo (1988)
Dias Melhores Virão (1989)
O Gato de Botas Extraterrestre (1990)
Acorda Raimundo…Acorda! (1990)
A Serpente (1992)
Memorial de Maria Moura (1994)
Tieta do Agreste (1996)
O Testamento do Senhor Napumoceno (1997)
Orfeu (1999)
Polémica (1999)
Cronicamente Inviável (2000)
A Negação do Brasil (2000)
Poeta de Sete Faces (2002)
Xuxa e os Duendes 2 – No caminho das Fadas (2002)
Carolina (2003)
Saudade (2003)
Viva Sapato! (2003)
Xuxa e o Tesouro da Cidade Perdida (2004)
Quanto Vale ou É por Quilo? (2005)
O Amigo Invisível (2006)
Kinshasa Palace (2006)
A Ilha dos Escravos (2006)
Cobrador: In God We Trust (2006)
Deserto Feliz (2007)
Xuxa em O Mistério da Feiurinha (2009)
Bróder (2010)
Bom Dia, Eternidade (2010)
Gonzaga, de Pai pra Filho (2012)
O Canto da Sereia (2013)
O Lucro Acima da Vida (2014)
Irmã Dulce (2014)
Justiça (2016)
Pitanga (2016)
Cora Coralina – Todas As Vidas (2017)
O Nó do Diabo (2017)
Comédia Divina (2017)
Tudo que É Apertado Rasga (2018)
Eu Sou Brasileiro (2019)
Juntos a Magia Acontece (2019)
M8- Quando a Morte Socorre a Vida (2020)
Todas as Melodias (2020)
Novo Mundo (2020)
4×100 – Correndo por um sonho (2021)
Doutor Gama (2021)
Mise en Scène: a Artesania do Artista (2021)
Galeria Futuro (2021)
Intervenção: É Proibido Morrer (2021)
Alemão 2 (2022)
Fim de Semana No Paraíso Selvagem (2022)
Na Rédea Curta (2022)
Gota D’Água (2023)
Eulália (2023)
A Última Festa (2023)
Deixa (2023)
Gerson King Combo – O filme (2023)
Falas da Vida: Histórias Impossíveis (2023)
Othelo, O Grande (2023)
União Instável (2023)
Fim de Semana no Paraíso Selvagem (2023)
Se Eu tô Aqui é Por Mistério (2024)
Príncipe Lu e a Lenda do Dragão (2024)

Regulação do VoD: um debate central para o audiovisual negro brasileiro

Vinícius Dórea

Não é de hoje que o audiovisual brasileiro precisa lutar pela dignidade de sua existência dentro da cadeia produtiva econômica, e novamente estamos agora diante de mais uma batalha que tem potencial de definir não apenas que histórias serão contadas nos próximos anos, mas sobretudo quem terá direito de contar essas histórias e, atado a isso, de que forma e em que endereços o dinheiro vai circular. Sim, a regulação dos chamados VoD, leia-se, Video on Demand, ou Vídeo sob Demanda, é um assunto que diz respeito aos cinemas negros produzidos no país, porque ela está diretamente relacionada com mecanismos de desigualdades raciais que marcam a história de nosso cinema e TV.

O audiovisual brasileiro sofre de uma assimetria regulatória e tributária causada pela falta de regulação para os serviços de VoD e streaming. O início desse debate sobre a regulamentação se deu no governo Dilma (2011-2016), porém andou pouco no governo Temer e desapareceu por completo no governo Bolsonaro. Atualmente, circulam no congresso nacional duas propostas de regulação, o PL 2.331/2022, mais recente, que foi aprovado pelo senado e agora segue na câmara dos deputados e o PL 8889/2017, mais antigo, que agora circula em caráter de urgência na Câmara, esse sendo de autoria do deputado Paulo Teixeira (PT/SP) que regulamenta e cria uma cota para produções nacionais para as empresas de streaming que atuam no país. 

A regulação do VoD é, dessa forma, uma pauta urgente justamente porque precisa ser pensada como uma forma de corrigir desigualdades raciais que ainda são latentes no setor audiovisual do país. Segundo um estudo feito pela Ancine e pelo Grupo de Estudos Multidisciplinar em Ações Afirmativas da UERJ (GEMAA), entre os anos 1970 e 2022 temos os seguintes dados sobre a produção independente brasileira realizada com recursos públicos via FSA: 

– Da direção de filmes com mais de 500.000 espectadores em salas de cinema entre 1970 e 2016, temos: 90% de homens brancos, 10% mulheres brancas e 0% pessoas negras. 

– Dos projetos selecionados por chamada pública do FSA entre 2018 e 2022 tivemos: 85,7% de pessoas brancas na direção e 86,3% de pessoas brancas no roteiro. Já as pessoas negras representam 3,8% na direção e 2,2% no roteiro. 

– Em 2016, das obras que foram incentivadas por recursos públicos geridos pela Ancine, 100% foram de pessoas brancas.

Não se faz política pública sem dados e esses levantamentos, um deles feito inclusive pelo próprio governo, escancaram a discrepância racial no setor audiovisual brasileiro e nos mostram como necessitamos de uma regulação que dê conta de reparar o racismo estrutural e institucional que ainda atua nesse mercado

A Associação de Profissionais do Audiovisual Negro (APAN) lançou em maio a Carta do Audiovisual Negro Por Uma Regulação Antirracista do VoD em apoio ao PL 8889/2017, compreendendo que esse ainda não é o modelo ideal de regulação, mas é o possível dentro das negociações que foram feitas até o presente momento. Em entrevista, a presidenta da APAN Tatiana Carvalho sinaliza a importância da manutenção de pontos chaves desse projeto de lei, que são: a defesa da produção independente brasileira tal como ela está descrita na Lei do Audiovisual (ver glossário abaixo), bem como o conceito de produtoras vocacionadas, a previsão de destinação de 10% do recurso da Condecine para essas empresas e a possibilidade de destinação de recursos para plataformas VoD independentes. 

Sobre esse último tópico Tatiana pontua que “a inclusão das plataformas VoD independentes na regulação é um passo importante visto que essas são responsáveis em grande parte pela circulação da produção audiovisual negra e podem ajudar que curtas metragens sejam contabilizados em uma dinâmica econômica, diferente da relação que as salas de cinema tem com os curtas que é de ignorá-los.”

Há no momento uma movimentação da ala conservadora do congresso para barrar o PL 8889/2017 se apoiando em uma rede de fake news que tenta gerar alarde na sociedade civil. Sobre isso, Tatiana Carvalho comenta que “a extrema direita tem comprado um discurso que na verdade é entreguista, visto que o cinema dos EUA só é do tamanho que é porque tem proteção do Estado”. Precisamos, portanto, de uma regulação que proteja a produção independente nacional, combata o racismo, estimule a diversidade e lute contra as práticas de concentração econômica.  

Glossário

Condecine – um tributo no Brasil sobre produção, distribuição, exibição e importação de filmes, é regulamentado pela Agência Nacional do Cinema (Ancine) e tem como objetivo fomentar o desenvolvimento da indústria cinematográfica brasileira.

FSA – O Fundo Setorial do Audiovisual é um mecanismo de financiamento público destinado a impulsionar o setor audiovisual no Brasil. Gerido pela Ancine, ele apoia a produção, distribuição e exibição de conteúdos cinematográficos, televisivos e de jogos eletrônicos brasileiros.

Produtoras vocacionadas – Empresas brasileiras que têm pelo menos 51% do capital total e votante sob a titularidade direta ou indireta de pessoas pertencentes a grupos incentivados.

Grupos incentivados – mulheres, pessoas negras, indígenas, quilombolas, povos e comunidades tradicionais, pessoas com deficiência, e grupos em situação de vulnerabilidade social.

Produtora independente brasileira – produtora brasileira que não esteja ligada a programadoras, empacotadoras, distribuidoras ou concessionárias de serviço de radiodifusão de sons e imagens.

Link da Carta do Audiovisual Negro Por uma Regulação Antirracista do Vod

Entrevista de Tatiana Carvalho para a Tv Senado: